Durante
décadas, alimentos como o ovo foram tratados ora como vilões, ora como
mocinhos. Pesquisas recentes põem fim a essa gangorra - a mais conhecida
(e condenada) das gorduras não faz mal quando é levada ao organismo por
meio da alimentação
(VEJA.com/VEJA)
Já não é o caso, tomando emprestado o mais conhecido verso do Soneto da Fidelidade
de Vinicius de Moraes, de um amor que seja infinito enquanto dure,
posto que é chama. Em relação ao ovo, o amor agora é eterno,
incondicional, irrecorrível. O consumo do mais eclético dos alimentos de
origem animal, abundante em colesterol, a mais conhecida e condenada
das gorduras, acaba de ser definitivamente liberado pela ciência da
nutrição. O aval veio de uma instituição reputada no assunto, o
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, órgão governamental
responsável pelas diretrizes alimentares americanas - e, portanto, com
impacto em todo o mundo.
A absolvição se estende a outros alimentos ricos em colesterol, como
camarão, coxa de frango (com pele, fique bem claro), coração de galinha,
lula e bacalhau. A novíssima norma pode representar uma extraordinária
reviravolta nos hábitos à mesa. Ela põe por terra a orientação de
cautela no consumo de ovos, para permanecer didaticamente com o mais
claro sinônimo de colesterol ingerido, em vigor desde a década de 60. A
quantidade de colesterol levado à boca não podia, até agora, ultrapassar
300 miligramas diários, o equivalente a um ovo e meio (ou a uma coxinha
de frango). Diz Raul Dias dos Santos, professor da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo e diretor da Sociedade
Internacional de Aterosclerose: "É a mudança de padrão alimentar mais
drástica já ocorrida desde os primórdios das discussões sobre o papel
das gorduras no organismo".
O documento americano é um cartapácio de 571 páginas. A alforria do
colesterol aparece na 17ª e, em pouco mais de discretas cinco linhas,
abre o sinal verde, com uma recomendação que desde já começa a fazer
barulho pela força de sua assertividade. "Não há evidência disponível
que mostre alguma relação significativa entre uma dieta com colesterol e
os níveis de colesterol sanguíneo. O consumo excessivo de colesterol
não é motivo de preocupação." Ponto. E termina aqui o incômodo vaivém
que ora fazia do ovo e seus congêneres os vilões da dieta, ora os
tratava como mocinhos. À pergunta inescapável - o colesterol dos
alimentos faz mal ao coração? - cabe agora uma única resposta: não. Um
não eterno. O colesterol danoso é tratado sobretudo com medicamentos
(estatinas) e atividade física.
Cerca de 80% do colesterol circulante no organismo é produzido pelo
fígado - o restante vem da alimentação. Em doses normais, o colesterol
(seja o alimentar, seja o hepático) tem um papel importantíssimo no
funcionamento do corpo humano, participando da síntese de hormônios e
mantendo a integridade das membranas das células. Em excesso, porém,
danifica as paredes das artérias, o que o faz ser também a causa
principal dos problemas cardiovasculares, como o infarto e o derrame. O
embate, este que agora se encerra, tentava esclarecer qual era a
responsabilidade do colesterol ingerido e qual era a parcela do
colesterol naturalmente fabricado pelo ser humano. Duas recentes
conclusões dos cientistas desempataram o jogo renhido.
(VEJA.com/VEJA)
A primeira: apenas uma pequena parte do colesterol alimentar é
absorvida pelo organismo - cerca de 30%. Graças a um fascinante
mecanismo de defesa, três proteínas (NPC1L1, ABCG5 e ABCG8),
responsáveis pela metabolização do composto, tornam-se ineficientes ante
quantidades muito elevadas de colesterol alimentar, o que o faz
circular muito modestamente. O segundo achado, fruto de acúmulo de
conhecimento científico, foi o que selou de vez a certeza comprada pelos
pesquisadores do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Um
trabalho publicado na revista científica da American Society for
Nutrition, a maior referência em estudos de nutrição, quantificou, em
números precisos, o impacto do colesterol que vem dos alimentos sobre o
colesterol fabricado pelo fígado. Uma análise detalhada comprovou que a
relação entre os dois é salutar. O colesterol alimentar influencia
pouquíssimo os níveis de LDL (o colesterol ruim) no sangue. A conta é
exata: 100 miligramas (o equivalente a meio ovo) aumenta 1,9 miligrama
do colesterol LDL do sangue. É pouco. A gordura saturada, presente na
picanha, na manteiga e no toucinho, por exemplo, provoca o dobro de
expansão. Para ler a continuação dessa reportagem compre a edição desta semana de VEJA no tablet, no iPhone ou nas bancas. Tenha acesso a todas as edições de VEJA Digital por 1 mês grátis no iba clube.
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