Poucas vezes vimos o nome de Deus ser utilizado com tamanha impropriedade e para atender, única e exclusivamente, néscios interesses eleitorais e midiáticos. Deus está sendo trolado! A ascensão do pastor Marco Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados é um esculacho às importantes conquistas democráticas brasileiras nas últimas três décadas. Sua manutenção no cargo é prova inconteste da ignorância e da irresponsabilidade que assolam os Poderes instituídos e um grosso caldo da sociedade brasileira.
Em primeiro lugar, é bom ficar claro que há um equívoco conceitual no tratamento reservado ao deputado desde seu empoderamento na cadeira de espaldar alto da Comissão criada em 1995. Sua presidência não é questionada e repudiada por diversos setores por conta da fé que ele defende nos púlpitos e palcos dos templos evangélicos. Marco Feliciano é absolutamente incompatível com o mandato à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias por suas públicas declarações intolerantes, racistas, sexistas e homofóbicas, agora tratadas apenas como “mal ditas”, “mal interpretadas” e “malfeitas”, como reza o pior da sintaxe dilmista em sua inglória “faxina”.
A fé de Feliciano não o define. Ele poderia ser evangélico, católico, macumbeiro ou ateu e, ainda assim, permaneceria em total incompatibilidade com a função. O que define Marco Feliciano é o caráter de sua atuação parlamentar e sua visível dificuldade em lidar na vida pública com o pluralismo e a liberdade que consagram uma nação realmente democrática. Aliás, é justamente o laicismo do estado democrático que permite candidaturas e eleições de pastores, padres, pais-de-santo e descrentes.
Por ignorância dos conceitos primordiais e tão essenciais à sedimentação de um ambiente saudável na sociedade contemporânea, estimula-se uma repugnante espécie de guerra entre facções sociais e religiosas, mormente representadas nos Poderes por cidadãos inaptos e, na maioria das vezes, anacrônicos. Não por acaso, trolar Deus em discussões que deveriam estar apenas no âmbito do Estado passou a ter reflexos imediatos no cotidiano brasileiro.
Ora, convenhamos. Depois de tudo que foi dito e escrito, de tantas manifestações contra ou a favor de sua permanência na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o deputado federal Marco Feliciano, ao invés assegurar e defender o papel do Estado (que é uma de suas atribuições!), caiu na tentação eleitoreira de utilizar um altar para bradar que sua ascensão foi obra do Espírito Santo e todas as notáveis conquistas alcançadas pelo colegiado ao longo de sôfregos 18 anos foram comandadas por Satanás. Quanta estupidez. Quanta trolagem oficial.
O delicado da querela está no fato de que trolar Deus é algo bastante onírico. Já a trolagem do estado democrático e sua laicidade é um atentado direto ao bem-estar e justiça sociais. Pecado é confundir uma coisa com a outra, pois o preço por toda essa fuzarca não há de ser pago no âmbito celestial. A fatura chega aqui, agora e é cara. Pago eu, paga você, pagamos todos.
Escritor, Jornalista Político e Apresentador de TV
Autor dos livros "Águas Turvas" e "A 1ª Presidenta"
+55 (66) 3564-1728
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